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O desafio da baleia azul e nossos jovens

17 de maio de 2017

A morte é algo sempre difícil de ser elaborado. Sobretudo aquela de pessoas que ainda não completaram o ciclo da vida. Se o homicídio já comove a sociedade pela frieza pela qual se desenvolve, o suicídio choca pelo sentimento que propaga: a incompreensão e a impotência. O suicídio nada mais é do que uma forma peculiar de homicídio. Aquela na qual o assassino e a vítima encontram-se, curiosamente, centrados na mesma pessoa.

Nas últimas semanas o suicídio de adolescentes rompeu um tabu histórico e ganhou espaço na mídia por ocasião de fatos alheios à rotina das pessoas em geral. Primeiro, alunos do quarto ano da medicina da USP, pessoas com o futuro aparentemente promissor, tentaram tirar a própria vida. Depois, a sociedade assistiu estarrecida à adesão de jovens ao desafio da baleia azul. Por fim, a série “13 Reasons Why”, do Netflix atingiu grande audiência e trouxe a discussão do suicídio de adolescentes para a sala de casa.

No desafio da baleia azul, adolescentes propõe –se a percorrer um tabuleiro de 50 testes em que se submetem a um curador que determina tarefas a serem cumpridas. Os garotos têm que dar provas da conclusão da missão. Dentre essas incumbências estão automutilação, passar noites acordados assistindo a filmes de terror ou ouvindo músicas psicodélicas e postar-se diante de altos edifícios. A derradeira tarefa é o suicídio.

A série “13 RW” aborda o desenrolar da adolescência com diversas de suas variantes, ilustrando fatores como a maturação da sexualidade, perda da virgindade, alcoolismo, depressão, os desafios do mundo feminino e masculino, necessidade de autoafirmação, o bullying, o papel e as omissões dos pais e da escola.

Já no primeiro episódio sabemos que a protagonista Hannah se matou e que, a partir de gravações de seus relatos em fitas cassetes, objetos tão incomuns para a época, conheceremos 13 razões para seu ato. Somos então convidados a partilhar a angústia do personagem Clay, que durante a trama busca cicatrizar, literal e metaforicamente, a grande ferida que a morte de sua enamorada amiga lhe proporcionou. Se a lesão que este sofreu na testa foi um recurso cinematográfico para orientar o espectador em cenas de passado e presente, funcionou também como um símbolo da dor pelo qual todo acontecimento lhe causou. Ao final, verificamos que Hannah chegou a essa situação, conduzida pelo bullying, pelo sentimento de não pertencimento tanto da família como da escola, pela sensação de ser um peso para o mundo, pela falência de todo seu suporte social e pela humilhação e impotência diante de fatos ultrajantes como o estupro.

A série é muito hábil em discutir a adolescência como um todo, fugindo de confundidores sociais como racismo ou homofobia. A garota mais popular da escola é afrodescendente e um dos personagens principais é gay e expõe a homossexualidade com alguma tranquilidade. É claro que a personagem Courtney reluta em sair do armário, mas mais por receio dela mesma do que hostilidade dos colegas. Não que problemas dessa ordem não possam gerar comportamento suicida, mas a ideia é discutir os riscos de suicídio nesta fase da vida e não para um grupo em especial.

A série gerou polêmicas por contrariar normas sugeridas pela a Organização Mundial da Saúde de não se retratar a cena de suicídio e não apontar culpados. Mas foi eficiente em demonstrar a gênese desse comportamento, a passagem da ideação para o planejamento, a relutância do suicida e suas formas de pedir ajuda. Todas ignoradas pelos personagens. Mas enfim, diante disso tudo surge a pergunta: o que está acontecendo entre os adolescentes?

Atualmente o suicídio é a terceira causa de morte entre jovens no mundo e cresce a cada ano. Pode-se dizer que a ideação suicida é algo relativamente comum entre jovens, atingindo taxas de 15 a 25%. Uma pequena porcentagem desse grupo, no entanto, chega efetivamente a uma tentativa. A causa da passagem da ideação para a tentativa propriamente dita ainda é um mistério para a ciência, mas alguns fatores têm se destacado cada vez mais.

A dinâmica suicida entre adolescentes parece ser uma confluência de basicamente quatro fatores: vulnerabilidade genética, impulsividade, falta de suporte social/familiar com grande destaque ao papel dos pais e presença de doenças mentais como depressão e ansiedade.

Os estudos têm apontado que a presença de histórico familiar de suicídio pode ser considerada um fator de risco para a estruturação da tentativa ou do ato em si, de modo que associado aos outros fatores mencionados, o fenômeno da hereditariedade se faz presente.

No que tange a impulsividade, o cérebro adolescente ainda é imaturo biologicamente e algumas áreas frontais, responsáveis pelo controle dos impulsos, ainda não completaram seu desenvolvimento. Não é à toa que o jovem age muitas vezes sem um mecanismo completo de reflexão. Cede à tentação e a atitudes intempestivas sem avaliação adequada das consequências. São assim presas fáceis ao álcool e às drogas, ao sexo desprotegido. A impulsividade é provavelmente um dos principais fatores associado à participação no desafio da baleia azul. Não é à toa que são narrados fatos de pessoas que tentaram sair do jogo, arrependidos de o terem começado, mas foram coagidos a continuar sob fortes ameaças.

Participar do desafio da baleia azul pode trazer ao adolescente que se sente sem pertencer a um grupo, a ideia de agora estar inserido em um grupo especial. Ele se torna uma baleia azul, alguém que supera desafios e que ao final ganha um título de corajoso. Título que, por razões óbvias, ele não vai poder usufruir. Estudos comprovam que os adolescentes que têm comportamento de automutilação, como acontece na baleia azul, possuem maior propensão ao suicídio, sendo esse indicador um objeto de alerta aos pais.

A falta de suporte social é outro importantíssimo problema porque em geral ela acompanha o indivíduo desde o nascimento até a fase adulta. Eventos adversos ocorridos na infância como o abuso sexual tem demonstrado ser um importante fator de risco. De 10 a 40% das pessoas que apresentam comportamento suicida, tiveram histórico de abuso sexual. Além disso vale destacar fatos como elevada desorganização familiar, rejeição e negligência.

Tem se destacado ainda o papel dos pais. A presença dos pais é fundamental na prevenção do comportamento dos filhos, sobretudo no monitoramento parental e na capacidade dos pais de darem aos filhos a sensação de estarem abertos para conversar sobre os problemas. Os estudos são quase unanimes em colocar que a disponibilidade dos pais é um grande fator protetor no suicídio de adolescentes. Vale destacar ainda, o suporte de amigos como um fator protetor. Sensação de não pertencimento à família ou ao grupo de amigos estão fortemente relacionadas ao comportamento suicida.

A presença de depressão e ansiedade é o gatilho final para o desenvolvimento de um comportamento suicida. A depressão adolescente geralmente é fortemente marcada por um quadro de irritabilidade excessiva e aumento da impulsividade. O personagem Alex é um grande exemplo de adolescente deprimido. O sujeito é envolvido por culpa, irritabilidade, procurava confrontos físicos e dirigia de forma imprudente. Outra sensação vinculada ao quadro depressivo e fortemente relacionada ao comportamento suicida, é a sensação de ser um peso para o mundo. Aquele pensamento de que o mundo seria melhor se a pessoa não existisse.

Por fim, estudos apontam que o bullying é realmente um fator de risco para o suicídio de adolescentes, sobretudo aquele que envolve violência física. Se a situação é acompanhada de um quadro de depressão ou ansiedade e uma ausência da continência dos pais e de amigos, o risco aumenta bastante.

O fato é que a ciência ainda busca respostas para o aumento do comportamento suicida em adolescentes. Podemos questionar a organização atual da família em que os pais, muitas vezes envolvidos em rotinas de trabalhos, reservam pouco tempo para os filhos. Podemos citar a facilidade de acesso a álcool e drogas, a impulsividade associada a uma permissividade na educação, que leva a uma diminuição do estabelecimento de limites, a necessidade de autoafirmação, e ainda o aumento de casos de depressão e ansiedade nessa faixa etária, que na maioria das vezes ainda não busca tratamento, uma vez que seus sintomas podem ser confundidos com rebeldia.

Mas é importante se ter em mente que o suicídio é um mal que pode ser evitado com as devidas precauções. Todos os estudos parecem apontar numa direção: a atenção dos pais para o filho adolescente é ainda a mais importante arma que se tem à disposição contra esse problema. Fiscalizar o comportamento nos filhos, inclusive seu comportamento em redes sociais, participar do desenvolvimento escolar dele, pesquisando comportamento de bullying, verificar presença de sintomas que possam indicar depressão ou ansiedade. Participar das amizades dos filhos. Enfim, estar disponível como pais ainda é o melhor remédio.

 

Rodrigo de Almeida Ramos é psiquiatra, diretor da Clínica Vínculo.